Presenteei meu pai com um telescópio.
Meu pai — aquele cara que descasca laranjas formando caracóis, que cuida das flores com carinho, atenção e sempre coloca água fresca para os passarinhos. Aquele que ama o céu, e em noites de lua bonita chama todos da casa com entusiasmo:
“Corre, corre, vem ver essa lua, tá demais! Nossa, tá demais!”
Na adolescência, muitas vezes, por preguiça, não me levantei para ver a lua.
Outras tantas, larguei o celular e fui — e não vi nada tão incrível que justificasse tanto deslumbre. Depois, comecei a enxergar. E por fim, percebi: era demais mesmo — mas não (só) a lua. Era demais a sensibilidade. O olhar. O sentir.
Comecei a admirar não apenas o céu, comecei a admirar a admiração dele.
#
O fato é que essa recente compra de telescópio me lembrou de um duelo que me contaram outro dia: binóculo vs. espelho.
Disseram que tem muita gente querendo um binóculo: potente, de grande alcance, para ver mais, com precisão e sem esforço. Explorar o longe.
Mas tem gente que precisa é de um espelho.
Nem sempre é sobre enxergar longe.
Às vezes, é sobre enxergar de perto. De dentro. Ver a si mesmo, ver o reflexo das próprias ações.
Quando a gente se olha no espelho, a gente se vê — e vê também o nosso contexto. O fundo. O ambiente.
Em nós — e onde estamos inseridos — podem estar mais de mil respostas.
Um telescópio refletor usa espelhos para olhar para longe. E isso me parece um belo equilíbrio.
Não perder o interesse pelo outro, pelo distante, pelo futuro —
mas ter espelhos na base. Na estrutura.
Espelhos que te lembrem: há um universo inteiro dentro de você.
Metáfora talvez confusa, mas com a essência calcada em autoconhecimento.
Em não se perder de vista.
Espero que meu pai curta o presente. Que vasculhe o céu. Que se admire. Que se encante.
E quem sabe, em algum momento, a gente monte uma noite de observação astronômica no jardim.
E eu observe minha família com atenção — porque esse é também um jeito de olhar para mim.
E um jeito de olhar para longe…